4.1. GDAL - Geospatial Data Abstraction Library
A GDAL é uma biblioteca de software livre que fornece uma camada de abstração de dados geoespaciais, possibilitando o desenvolvimento de aplicações que manipulam dados nos mais diferentes formatos e sistemas. A API
(Application Programming Interface ou Interface de Programação de Aplicações) desta biblioteca encontra-se disponível para uso em Python através de um binding (ou wrapper), que fornece acesso às funcionalidades implementadas em C++.
A GDAL é basicamente composta de quatro APIs:
GDAL: Voltada para manipulação de dados matriciais (raster), com capacidade de leitura e escrita de diversos formatos de imagem de sensoriamento remoto, como GeoTIFF, HDF, e JPEG, entre outros. Esta parte da API contém objetos para manipulação das dimensões de uma imagem, para acesso de leitura e escrita de blocos das bandas espectrais de uma imagem, acesso a metadados e manipulação de pirâmides de multi-resolução.
OGR: Parte da API voltada para manipulação de dados em formatos vetoriais, tais como ESRI Shapefile, Google KML e GeoJSON. Apresenta os conceitos de camada de informação, feições, atributos alfanuméricos e geométricos.
OSR: Voltada para a manipulação de projeções e sistemas de referência espacial.
GNM: Acrônimo de Geographic Network Model, esta parte da API serve ao propósito de manipulação de redes geográficas.
As aplicações que utilizam a GDAL acessam todos os formatos suportados por ela através de um único modelo de dados abstrato. Além disso, a GDAL também conta com uma variedade de programas utilitários de linha de comando para a tradução de formatos e alguns tipos básicos de processamento.
Utilizaremos a GDAL para manipular imagens de sensoriamento remoto, através do acesso aos valores dos pixels das bandas, por meio de matrizes no formato da biblioteca NumPy.
4.1.1. Importando a Biblioteca GDAL
Para acessar a API gdal
, que permitirá manipular as imagens, devemos importar a biblioteca osgeo
:
from osgeo import gdal
Uma boa prática consiste em ativar o uso de exceções nas operações da biblioteca GDAL:
gdal.UseExceptions()
Para saber a versão da GDAL instalada no seu ambiente de trabalho, use o seguinte comando:
gdal.__version__
Nota
Em um ambiente Jupyter Notebook, você pode conferir também as versões das demais ferramentas do seu ambiente:
print('* Python')
!python --version
print('* Jupyter')
!jupyter --version
print('* Jupyter Notebook')
!jupyter notebook --version
Nota
Dentro de um Jupyter Notebook podemos utilizar o recurso de auto-completar. Após o operador de membro .
, o ambiente Jupyter irá fornecer uma lista das operações disponíveis:
gdal.
Também podemos obter ajuda sobre as funções e objetos disponíveis em uma biblioteca utilizando o caractere ?
ou ??
logo após o nome para o qual desejamos consultar a ajuda, como mostrado abaixo para a função Open:
gdal.Open?
4.1.2. Abertura de um arquivo raster
A função Open
é utilizada para abrir um conjunto de dados (ou dataset
), que exige dois parâmetros:
Nome do Arquivo: caminho e nome completo
Forma de Acesso: constante que indica se o arquivo será usado apenas para leitura (
GA_ReadOnly
) ou se também será utilizado em operações de escrita (GA_Update
).
Para abrir o arquivo GeoTIFF com a imagem (faça o download da imagem de teste), podemos fazer:
dataset = gdal.Open("crop_rapideye.tif", gdal.GA_ReadOnly)
Neste caso, o nome do arquivo é crop_rapideye.tif
e, a forma de acesso é GA_ReadOnly
.
Repare o tipo de objeto retornado pela operação gdal.Open
:
type(dataset)
Saída:
osgeo.gdal.Dataset
4.1.3. Estrutura do Dataset
4.1.3.1. Sistema de Referência Espacial
Para conhecer o sistema de coordenadas de referência (CRS) de um dataset
, deve ser utilizado o método GetProjectionRef
, que retorna uma descrição no formato WKT (Well-Known Text). O WKT é um formato textual, padronizado pela OGC (Open Geospatial Consortium), para representação de sistemas de referência espacial dos objetos geográficos.
Para recuperar a informação sobre a Referência Espacial de uma imagem, usa-se o método GetProjectionRef
:
dataset.GetProjectionRef()
Um Sistema de Referência Espacial (Spatial Reference System - SRS) ou sistema de coordenadas de referência (Coordinate Reference System - CRS) pode ser um sistema local, regional ou global, usado para localizar objetos geográficos.
Para permitir uma maior interoperabilidade e facilidade na utilização, vários sistemas de informação geográfica fazem referência a um SRS indicando apenas um número inteiro que representa o SRID
, ou códigos, como o EPSG
, definidos por autoridades como a Associação Internacional de Produtores de Petróleo e Gás.
Para identificar os códigos corretos para o sistema de referência espacial do seu interesse, veja os seguintes portais:
4.1.4. Transformação Afim
O método GetGeoTransform
retorna uma tupla com os 06 coeficientes referentes à transformação afim do dataset
, isto é, os parâmetros para transformação do espaço de coordenadas da imagem (linha e coluna) para coordendas georreferenciadas (coordenadas projetadas ou geográficas).
Vamos obter o valor desses coeficientes:
>>> GT = dataset.GetGeoTransform()
>>> print(GT)
(508810.0, 5.0, 0.0, 7857490.0, 0.0, -5.0)
Na tupla acima, temos o seguinte:
Índice |
Coeficiente |
Descrição |
---|---|---|
0 |
508810.0 |
Coordenada-\(x\) do pixel do canto superior esquerdo da imagem. |
1 |
5.0 |
Resolução do pixel ao longo do eixo-\(x\). |
2 |
0.0 |
Rotação ao longo das linhas. Zero para imagens alinhadas ao norte (north-up image). |
3 |
7857490.0 |
Coordenada-\(y\) do pixel do canto superior esquerdo da imagem. |
4 |
0.0 |
Rotação ao longo das colunas. Zero para imagens alinhadas ao norte (north-up image) |
5 |
-5.0 |
Resolução do pixel ao longo do eixo-\(y\). |
Os parâmetros acima podem ser usados na seguinte equação de transformação:
No caso de imagens alinhadas ao norte (north up images), essa equação se resume a:
Vamos calcular a localização no espaço geográfico do pixel que está na coluna
20 e linha
30:
coluna = 20
linha = 30
x = GT[0] + coluna * GT[1]
y = GT[3] + linha * GT[5]
print(x, y)
Nota
Para mais informaçõs sobre essa operação, consulte Geotransform Tutorial.
4.1.4.1. Dimensões (Número de linhas e colunas)
Para saber o número de linhas e colunas do dataset
que está sendo utilizado, devemos utilizar as propriedades RasterYSize
e RasterXSize
:
linhas = dataset.RasterYSize
colunas = dataset.RasterXSize
print ("Número de linhas:", linhas)
print ("Número de colunas:", colunas)
4.1.4.2. Bandas
Para saber o número de bandas de um dataset
, podemos utilizar a propriedade RasterCount
:
>>> dataset.RasterCount
5
Como pode ser observado, o arquivo crop_rapideye.tif
possui 5 bandas.
Nota
A GDAL numera as bandas de 1 até \(n\), onde \(n\) é o número total de bandas contidas no dataset
. Lembre-se que os objetos do Python, como listas e tuplas, são indexados a partir do número \(0\) até \(n - 1\).
No caso da amostra de imagem RapidEye, as bandas 5 e 3 correspondem às bandas NIR e RED, respectivamente. Para acessar os dados dessas bandas, devemos utilizar o método GetRasterBand
, que retorna um objeto capaz de manipular os dados de uma banda:
banda_nir = dataset.GetRasterBand(5)
banda_red = dataset.GetRasterBand(3)
Um objeto do tipo banda contém as informações dos níveis digitais das imagens, além de outras propriedades, como:
NoDataValue
Minimum
/Maximum
Histogram
Tipo de dados
Estatísticas (média/desvio padrão)
Matriz de pixels
Uma das propriedades para a correta manipulação das imagens é o tipo de dados, DataType
, armazenado e que pode ser lido a partir da operação GetDataTypeName
:
print ("Tipos de dados:")
print (" - banda NIR:", gdal.GetDataTypeName(banda_nir.DataType))
print (" - banda RED:", gdal.GetDataTypeName(banda_red.DataType))
É possível saber quais os valores extremos (mínimo e máximo) dos pixels de uma banda utilizando o método ComputeRasterMinMax
:
menor_valor, maior_valor = banda_red.ComputeRasterMinMax()
print("Menor valor de RED:", menor_valor)
print("Maior valor de RED:", maior_valor)
4.1.5. Leitura dos dados de uma banda
Depois de criados os objetos das bandas (banda_nir e banda_red), podemos ler os dados de cada banda para iniciar qualquer processamento com estes valores. Para isso, utilizaremos o método ReadAsArray
, que permitirá obter os dados de cada banda em uma matriz NumPy:
matriz_red = banda_red.ReadAsArray()
matriz_nir = banda_nir.ReadAsArray()
Essa operação retornará uma matriz do NumPy:
type(matriz_red)
matriz_red
Agora, podemos utilizar todas as operações disponíveis na NumPy:
Para verificar se a matriz gerada com a leitura da banda foi criada com o número de linhas e colunas de forma correta, podemos utilizar o atributo
shape
:matriz_red.shape
Para saber o tipo de dados das células da matriz, podemos usar a propriedade
dtype
:matriz_red.dtype
Para computar um índice de vegetação, o NDVI, a partir das matrizes com os valores das bandas RED e NIR, aplicamos uma operação matricial, envolvendo as 2 matrizes obtidas a partir das bandas da imagem:
matriz_red = matriz_red.astype(float)
matriz_nir = matriz_nir.astype(float)
# geracao de array derivado das bandas
matriz_ndvi = (matriz_nir - matriz_red) / \
(matriz_nir + matriz_red + 0.000000001)
# mostrar as dimensoes e tipo de dado da matriz de saida
print(matriz_ndvi.shape)
print(matriz_ndvi.dtype)
matriz_ndvi
Nota
No cálculo da matriz_ndvi
foi colocado um termo adicional no denominador, 0.000000001. Embora não faça parte da equação original, este termo evita que aconteçam divisões por zero, gerando valores nulos, ou inconsistentes, na matriz final. Por ser um valor muito pequeno, não impacta no resultado dos demais cálculos.
Podemos combinar as bibliotecas NumPy e Matplotlib para visualizar as matrizes como imagens:
import matplotlib.pyplot as plt
plt.figure(figsize=(16, 8))
plt.subplot(131)
plt.title("Banda RED")
plt.imshow(matriz_red, cmap='gray')
plt.subplot(132)
plt.title("Banda NIR")
plt.imshow(matriz_nir, cmap='gray')
plt.subplot(133)
plt.title("NDVI")
plt.imshow(matriz_ndvi, cmap='gray', vmin=-1.0, vmax=1.0)
4.1.6. Liberando um conjunto de dados
Para liberar a memória e fechar o arquivo aberto, associamos o valor None
ao identificador do dataset
:
dataset = None
Nota
Realizar esta operação não significa que matrizes NumPy obtidas das bandas da mesma imagem serão liberadas. Após a operação ReadAsArray
, o dataset
e a matriz são objetos independentes.